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Amada Helena

PROALU - Programa de Acolhimento ao Luto

Por Tatiana Maffini (@ong.amadahelena)

Quando perdemos um filho cruzamos uma linha, e do outro lado para muitos, está o inexistente. A inexistência de memórias, de sonhos, de amor, da própria pessoa que partiu. Você já se perguntou como aquele conhecido que perdeu um bebê durante o parto, está vivendo? Se aquela vizinha que perdeu um filho em um acidente teve ajuda? Se perguntou qual o local desses filhos na sociedade, se os pais podem ou não falar sobre eles?

Eu antes de perder a Helena não, e disse frases como: “Ainda nem era um bebê, porque eles sofrem tanto” – quando alguém que conheci sofreu uma perda gestacional.  “Deus quis assim”, “Era hora dele”… Assim como muitos, não tinha ideia do impacto dessas frases prontas nos pais que haviam perdido aquele filho, não pensava que ele havia sido gerado há muito tempo, na imaginação dos pais, e antes mesmo de ser concebido, já era amado.

Nunca havia pensado que para minha mãe não foi Deus que escolheu a hora de minha irmã com 21 anos perder a vida em um acidente de carro. Lembro que muitos anos haviam se passado desde a morte da Rosane e em meio a uma refeição de um domingo, meus pais choraram e me perguntei – “Mas já se passou tanto tempo desde que a Rô morreu, porque eles ainda choram?” Hoje sei. Eles esconderam todas as questões e dores do luto, além do amor por ela, dentro das paredes de nossa casa, cansados de ouvir pessoas dizendo para que seguissem em frente, assim como eu agora. Me pergunto, nessa situação, socialmente seguir em frente quer dizer o quê? – Não falar mais do filho? Não chorar mais por ele? Quem não vive a perda de um filho tem dificuldade em compreender que seguimos em frente no dia após a perda, que levantamos e seguimos vivendo, da forma que conseguimos, mas que não há fórmulas mágicas.

Perder um filho dói para sempre, assim diz minha mãe, que tenho certeza, ainda imagina como minha irmã estaria. Com filhos? Solteira? Seria uma empresária ou professora? Naquela noite de carnaval de 1990, foi muito mais que a vida da Rosane que se perdeu, foram todos os sonhos e a vida que ela tinha pela frente. Assim como da Helena, que não teve tempo de conhecer o mar, a chuva, o luar, nem ao menos para saber do que ia gostar… sonho que ela seria delicada, completamente diferente de mim, mas isso é só um sonho, como tudo relacionado a Helena nos dias de hoje.

Entre tantas coisas dolorosas que ouvi após a perda, uma das que me marcou foi quando uma das minhas irmãs disse que todos os verbos em relação a Helena seriam ditos no passado, e me doeu tanto que não consigo expressar aqui em palavras, mas porque é a dura realidade, assim como a da própria morte, que não há reversão. A diferença entre o acolhimento e o completo abandono que senti ao ouvir frases como essa, está na informação, na troca. Pois enquanto a sociedade me forçava a sufocar o amor por Helena, a esquecer, ela permanecia viva dentro de mim assim como a necessidade em falar sobre ela. Ao longo do processo, para mim foi fundamental aprender que tudo bem não estar bem, afinal perdi alguém que amo muito, não preciso me forçar a voltar a ser como “antes”, porque isso faz parte da minha biografia, como um jarro de vidro, quebrado e refeito que nunca mais vai ser igual, mas mesmo com tantas rachaduras vai voltar a guardar água.

Helena faz parte da minha vida, ela não é minha filha que morreu, é minha filha – ponto – e isso realmente é difícil mensurar para quem nunca pensou sobre isso. Filhos que morrem, são filhos, e ponto. E tudo bem falar e relembrar deles, mesmo que 10, 20 anos após sua morte, os pais não falariam do seu filho na faculdade? Então. Nós falamos que sonhamos com a faculdade dele. Quando um filho morre, não é “só” a morte que nos dói, é também o que nunca vai chegar, o primeiro dia de aula, a faculdade, o casamento, os netos…Como não partilhar isso? Falar de alguém que morreu, é falar da vida e amor por aquela pessoa, nem de longe falamos só de morte. É importante dizer que sim, esses sonhos jamais vão se realizar relacionados ÀQUELE filho, porque preciso lembrar que cada um é único.

Posso garantir, não que precise, que meu segundo filho, o Helano, trouxe vida aos meus dias, como digo, ele nasceu de mim e eu renasci dele, mas nem todos os pais enlutados conseguem, e não, não é como nos filmes. A falta de compreensão do luto, me fez ter consequências em toda minha maternidade com o Helano, que ainda hoje, 10 anos depois da perda da Helena, está se adaptando, se acomodando. Precisamos começar a ter maturidade quando o assunto é morte. Hoje, nessa romantização da perda, em que só falamos da esperança de um outro filho, de um arco-íris, esquecemos que antes dele, precisamos amadurecer a ponto de conseguir viver com a chuva e com o sol. A tristeza da saudade não somem, a dor não se transforma em amor, ela permanece dor, mais madura, mais acomodada, mas ainda assim dor. O que se transforma é o amor. O amor por alguém presente, pelo amor à distância inenarrável do desconhecido. Assim que pais, como meu marido, meus pais e eu vivemos diariamente, você já se perguntou como é injusto fazer isso sem nenhum lugar de apoio? É assim que a maioria desses pais ficaram após viver algo difícil de pronunciar, que dirá viver: o rompimento da ordem da vida, a morte daquele que vimos nascer. Se você buscar em sua memória, garanto que encontrará algum parente, vizinho ou amigo que perdeu um filho. Sim, perder “na barriga” também é perder um filho, hoje sei, amor não se mede pelo ponteiro de um relógio. E isso é um único ponto a pensar, em mil pontos que precisamos discutir sobre luto parental.

Em 2012 Helena de Oliveira Maffini perdeu a vida em decorrência de um sopro cardíaco aos 17 dias de nascida, com o agravante de falta de acesso a um leito de UTI neonatal após 12 horas de espera em Gravataí/RS. Pais e familiares iniciaram uma campanha por mais leitos de UTI neonatal, e com o decorrer do trabalho e contato com vários pais que perderam filhos perceberam a mesma falta de assistência que sentiram. Hoje a ONG amada Helena realiza vários projetos gratuitos de apoio a pais enlutados, disponibiliza materiais informativos e informações importantes em suas redes sociais além de lutar pela criação de políticas públicas de apoio.

*** Se você quiser compartilhar sua memória em nosso blog, nos conte sobre a pessoa querida que você perdeu, sobre sua história e nos envie uma foto que publicaremos nas Memórias para sempre lembradas.

E-mail: contato@proalu.com.br

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