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A saudades e seus labirintos

Coluna

Tecendo histórias sobre o Luto

Foto de @eber.lein_fotos

Por Marina C Smith

A saudades e seus labirintos

Hoje eu acordei assim, com algumas saudades misturadas dentro de mim. Saudades e medos. Acho que foi algum sonho, pois despertei com o peito apertado, mas a lembrança nublada. Lembrei que meus filhos dormiram fora de casa, estavam bem? Fui olhar o celular, nenhuma mensagem, estão bem. Então meu pensamento correu por labirintos estranhos, naquele limiar entre o sonho e a realidade. Uma música cantada por duas vozes de crianças girando em um toca disco antigo, todos na sala da casa de minha avó, ouvindo com cara de pesar. Alguém não estava mais lá. As crianças não estão mais aqui, lembrei com o pensamento que me despertara. Então é sobre a dor da separação dos filhos que crescem de que se trata? Mas as saudades misturadas seguiram outros caminhos pelo labirinto de pensamentos.

Hoje seria aniversário de minha avó, lembrei, a moradora daquela sala do toca discos. Disse para ela, ali naquele labirinto, que ela gostaria de ter conhecido meus filhos, tinha certeza de que os amaria como nos amou. E nos pensamentos devaneados, a gente conversava do passado. Do sanduíche de queijo que ela amassava com as mãos, fortes mãos, as unhas sempre bem-feitas, do seu cabelo branquinho e macio, da forma como ela chamava todos os netos pelo diminutivo de nossos nomes. Nessa hora, eu experimentei dizer como ficariam os nomes dos bisnetos nos seus diminutivos, queria tanto que ela os tivesse conhecido, repetia, ia gostar muito deles. Então era sobre a saudades da minha avó de que se tratava? Também. Segui o labirinto, pensei que meus pais tinham a minha idade quando minha avó se fora. Meu peito espremeu de novo, veio muito medo de perdê-los. As gerações caminham, os netos viram pais, os pais viram avós e avós viram bisavós, a gente sabe do ciclo, mas não sabe até vivê-lo. Então é sobre envelhecer e morrer de que se trata? Também.

A cada pensamento o labirinto trazia uma clareira para, em seguida, novas bifurcações surgirem. A lembrança da minha avó se derivou para a casa das férias em que ficávamos todos juntos, lembrei dos escombros de quando fora demolida e da nova casa majestosa que um estranho construíra por cima, sem deixar traço algum do que vivêramos ali. O peito apertou de novo. Então era sobre ruínas desaparecidas e o tempo que teima em seguir sem deixar rastros do passado? Talvez. Entrei em outra bifurcação mais dolorosa, uma querida amiga que se fora e deixara seu filho ainda criança. Pensei que para ela, ele nunca crescerá. Lembrei de outra pessoa que perdera o filho pequeno, outra criança que também não crescerá aos olhos de sua mãe.

Labirinto estranho, parece dar voltas em si mesmo, se crescem dói, se não crescem dói mais? Resolvi levantar da cama e deixar o labirinto com suas bifurcações infinitas para outras incursões futuras, nesse momento me pareceu que seguir em frente seria o único caminho que me faria chegar até a mesa do café da manhã.

2 Comments

  • Roberto Smith disse:

    Ainda estou marejando. Convivo com a ideia da morte todo dia no intervalo do acordar, quase me surpeendendo por ter chegado ate aqui antes de ter que ir onde nao existe saudade. Bjs Marininha que vi bebê

  • Ricardo Smith disse:

    Isso mesmo sentimentos compartilhados emergem desse inefável lugar querendo trazer o que foi para o que é…saudades solução do teorema da perda…

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