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Coluna

Tecendo histórias sobre o Luto

Foto de @eber.lein_fotos

Por Marina C Smith

O Broto

Aquele broto de flor não estava ali ontem. E nem havia qualquer indício de que ele surgiria tão imponente nas horas antes em que visitara seu jardim. O jardim andava muito triste, plantas secas que morriam mesmo com suas insistentes regas, pragas oportunistas que sorrateiramente sufocavam as árvores, infestando suas folhas de um mal que não se vencia. O cenário era de devastação crescente. Mas o broto surgiu em sua delicadeza ousada. Quem diz que a delicadeza é uma fraqueza não conhece a força do encantamento.

Andou até o cantinho do jardim onde a terra parecia se regenerar, estava fofa, fértil, feliz. Uma nesga de sol alimentava aquele oásis de vida. Abaixou-se devagarinho porque tinha medo de que por obra do azar e de seus temores, aquele broto murchasse ou se desprendesse do fino caule que o sustentava. Ele estava lá mesmo, intrépido, vivaz e colorido.

Lembrou-se de como seu jardim era antes dos tempos sombrios irem minando a vida que ali existia. Antigamente, o sol vinha toda manhã esquentar a terra e a chuva, bem-vinda, deixava aquele cheiro tão reconfortante na alma. A vida seguia alternando as estações, em um ritmo cadenciado e conhecido. O inverno trazia o recolhimento e os galhos secos não significavam a morte permanente, mas um período de se desfolhar para se renovar. O verão trazia chuvas torrenciais que logo inundavam o jardim, mas a terra era capaz de absorver aquela água e a transformava em explosões de verde de todas as tonalidades. O outono anunciava que uma transição estava acontecendo e dava o tempo necessário para preparar-se contemplando as mudanças de cores das folhas. A primavera era a mais aguardada das estações, era quando encontrava os botões e os brotos com toda a potência da vida concentrada em algo tão singelo.

No entanto, uma sombra diferente foi ganhando vida sorrateiramente até assombrar toda beleza que cultivara ao longo dos anos. Não havia mais uma previsibilidade no tempo, a chuva ora vinha em demasia e arrancava tufos de terra, esburacando seus canteiros com uma força descomunal, ora sumia e deixava o solo ressequido que nem seu pequeno regador podia dar conta de torná-lo fértil. No início ela até tentou compensar os efeitos daquela sombra odiosa que era pura destruição. Conversava com suas plantas, mobilizava suas reservas de amor para sustentar os galhos e folhas de suas árvores. Os frutos – já percebera – não seriam mais viáveis, não havia reserva suficiente de energia que permitisse que se desenvolvessem. Os poucos que conseguiam vingar eram tão amargos que nem suas sementes resistiam à sua acidez. Concentrou-se em manter as raízes saudáveis mirando um futuro possível em que a sombra fosse embora. Para piorar seu desalento, as suas lindas buganvílias cor-de-rosa foram sendo consumidas por galhos espinhosos de uma trepadeira voraz que escalava seus delicados caules, roubando seu ar e sufocando suas flores. Quanto mais arrancava as garras espinhosas, mais espinhos cresciam, caçoando de seu esforço.

Procurou seus vizinhos, alguns estavam atordoados como ela, tentando manter as raízes sãs, outros pareciam se atirar ao júbilo da destruição e do poder que essa emanava. Tempos estranhos, não decodificava mais o mundo em que viviam. Voltou-se ao seu jardim e por um longo tempo foi segurando a respiração e carregando seu pequeno regador na esperança de ver o amor florescer novamente.

E naquela manhã o broto surgiu, o sol foi abrindo caminho entre os escombros. Mirou novamente aquela promessa de vida e sentiu que o ar voltava aos seus pulmões. Expirou aliviada a sentiu o agradável odor do frescor da mudança. O vento soprava diferente, era uma brisa suave que acalentava seus sentidos, olhou para os lados e as sombras se recolhiam abrindo espaço para a luz voltar. As raízes eram fortes.

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