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Segundas-feiras

Coluna

Tecendo histórias sobre o Luto

Foto de @eber.lein_fotos

Por Marina C Smith

Segundas-feiras

Ela me dizia que não eram fáceis as segundas-feiras. Não eram todas, convenhamos, mas eram muitas. Não eram os domingos que pressagiavam o fim do descanso, eram as segundas-feiras que a incomodavam. O início, o recomeço, o momento de desligar-se do final de semana, eram as segundas-feiras que atormentavam sua rotina. Depois passava, a segunda se diluía na terça, na quarta, as quintas e sextas ela nem sentia passar. Mas a segunda-feira sempre voltava, sempre voltava.

Começava com um redemoinho na barriga que subia até o peito, às vezes tossia, não uma tosse irritativa, mas uma tosse profunda, quase um expurgo. Tinham segundas que a tosse não vinha, sentia alívio. O mundo parecia gigantesco e ela pequena, bem pequenininha. E a dúvida era companhia certa, às segundas-feiras duvidava de tudo que pudesse fazer, de tudo que pudesse ser; enroscava-se nos pequenos afazeres porque tudo se complicava em demasia. Por onde começar? Pela segunda-feira, é claro, mas se o problema era esse mesmo – começar – como fazer?

Ela me contava que sentia medo. Dar um beijo no filho que ia para escola, a revirava por dentro. “Fica comigo” – pensava, mas não dizia, não podia fazer isso com ele que ia feliz pela porta com sua mochila acompanhado pelo pai. O medo era difuso, não tomava forma definida, era medo de desprender-se. Do quê? Não sabia ao certo, talvez de si mesma, talvez da menininha pequenina que queria ficar, ficar no final de semana e não crescer. E o final de semana? O final de semana era o tempo de ser, de estar e permanecer, verbo de ligação, elo com si mesma. Na segunda tinha que voltar a fazer. Fazer? Ser grande, resolver problemas, lidar com a vida. Tinham semanas que acordava do tamanho certo e a segunda só era uma segunda, aquela melancolia era uma lembrança, o fazer e o ser andavam de mãos dadas. Mas tinham semanas que acordava minúscula e mal sabia o tamanho de suas pernas. Queria ficar, não sabia bem onde, em um tempo perdido, talvez? Não sabia o que fazer com seu dia porque não sabia começar.

Para começar era preciso terminar o que viera antes, e isso a amedrontava nesses dias de consciência nublada. Não havia horizonte definido para seguir seu caminho. A neblina cerrada a impedia de avançar e parada não precisava terminar, no entanto, não podia começar. Mas a visão turva era aflitiva, forçava seu passo tateando a névoa pela segunda-feira, passos de pernas pequenas. Aos poucos a neblina se dissipava, já sabia que isso acontecia depois de tantas segundas. E as pernas ganhavam mais agilidade e segurança. Voltava a crescer. Ao final do dia podia encontrar seu tamanho, atravessara a densa névoa quase ilesa.

Era esse o momento crítico, percebera, quando desligava um fio para religar outro, essa passagem entre mundos. Temia perder-se no “entre”, no vão entre o fim e o recomeço. A segunda-feira era o “entre”, a fronteira na qual sentia uma saudade nostálgica de si e um medo paralisante do que estava por vir. Sabendo que era passagem, podia passar, respirava fundo, tossia e seguia.

Certa vez um amigo muito boêmio disse brincando, que sofria de um mal que o impedia de ir embora, um déficit de finitude. Pois foi assim que ela achou a ponte para atravessar a segunda-feira, de mãos dadas com os boêmios, reconhecendo seu déficit de finitude.

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