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Em algum lugar do passado

Coluna

Tecendo histórias sobre o Luto

Foto de @eber.lein_fotos

Por Marina C Smith

Em algum lugar do passado

Eu e minha mãe achávamos o Christopher Reeve lindo, até mesmo quando ele vestia aquele duvidoso traje do Super-Homem, e talvez tenha sido pelo azul dos seus olhos que resolvemos alugar um certo filme de nome bonito: “Em algum lugar do passado”. Eu não deveria ter mais do que 9 anos, entretanto, nunca mais me esqueci da sensação que aquela história de amor entre dois tempos me provocou. Foi um misto de beleza e angústia que eu não sabia nomear na época, mas sentia apertar no peito e amarrar na garganta.

Depois de muito tempo, muito tempo mesmo, encontrei esse filme no catálogo da Netflix. Fiquei na dúvida se deveria assisti-lo novamente. Explico, era um filme que também estava em algum lugar do meu passado e tem certas coisas que eu não gosto de mexer para não estragar. Sabe aquela sensação de voltar a um lugar mágico da infância, que tinha uma certa tonalidade de cor na memória, uma certa grandeza e achar tudo menor e sem brilho? Pois foi por aí que minha dúvida se imiscuiu. Ainda por cima, tinha a firme convicção de que se fosse assisti-lo novamente, não se repetiria aquela sensação. Atribuía grande parte da angústia experimentada à imaturidade de menina. Muitas águas haviam rolado pelo rio da vida, eu me achava de certa forma mais calejada para lidar com aquela história de amor impossível. Talvez fosse até um filme bobo, pensei, imaginando que se aguentara firme o Bergman (olha eu me mostrando culta, culpada!) o que seria, afinal, esse filme de Sessão da Tarde? Mentira, nunca achei que esse fosse um filme de matinê.

Na verdade, eu já revistara esse filme em minha memória algumas vezes enquanto ouvia a música de sua trilha sonora, “Theme of Paganini” de Rachmaninov (juro que desta vez não estou tentando bancar a culta!). Essa música trazia o exato tom daquela beleza angustiada. Depois de anos, fui pesquisar a vida do Rachmaninov e descobri que fora um homem melancólico, explicava muito, só alguém muito angustiado poderia compor tal obra prima.

Pois bem, voltando ao dilema se assistiria ou não novamente ao filme, acabei cedendo à curiosidade e dei play. Aqui vou dar um alerta de spoiler, porque acho chique, apesar de já ter deixado escapar um baita spoiler alguns parágrafos atrás, mas se não perceberam, nem vou dizer qual foi. Dado o play, de cara constatei que ele continuava lindo, o Christopher, e saber que já falecera me deixou triste. O passado parecia sempre mais bonito e vivo na paleta de cores escolhida pelo diretor, eram os tempos áureos. Já o presente era decadente e frio, e mesmo sabendo o desfecho, acompanhei aflita aquela história de amor, sabendo que tudo se desvaneceria frente ao olhar de uma moeda que denunciaria a existência do tempo. Como se invertesse a lógica dos objetos que nos fazem viajar para o passado, essa moeda arrancou o personagem do passado idílico, para lançá-lo de volta ao presente, sem caminho de volta. A burla que apagara o tempo entre os amantes, não se sustentara diante de um simples objeto de metal.

Aquele jovem dramaturgo ousara enganar o tempo e por um truque de ficção, conseguira fazer o que todos nós, algum dia, já desejamos fazer: voltar no tempo e (re)encontrar algo que perdemos. No caso dele, a perda se deu depois que ele encontrara seu amor, em um passado anterior ao seu nascimento, como em um movimento cíclico, ela intuíra que a conhecera ao se apaixonar por sua fotografia em um museu. Aliás, para quem assistiu, e quiser me ajudar com um enigma, fica a pergunta, de onde surgiu o relógio que a amada lhe entregara no presente, já muito idosa e ainda desconhecida para ele, e que ele levara para conhecê-la no passado? Fecho esse parênteses enigmático, e volto à experiência de (re)ver o filme.

Ao final do filme eu reencontrei aquela menina de 9 anos aos prantos, o que aconteceu com você? Não estava imune? Não, não estava, ainda bem – ela disse. Era nostalgia, era esse o nome que antes não encontrara em seu repertório de infância para aquele sentimento, que é bonito e triste ao mesmo tempo, que nos diz que o passado é mais brilhante e perfumado, que romantiza um tempo que sempre vai ser perdido, porque, na verdade verdadeira, nunca pode ser encontrado de fato. Um tempo que é tingido das cores dos ideais, do desejo, da completude, ilusório a ponto de ser desmascarado por uma moeda. Mas vou fazer a defesa da nostalgia, uma pitada dela torna a vida mais interessante e profunda, e faz filmes lindos.

One Comment

  • Ricardo Papi disse:

    Vi o filme duas vezes já maduro, e compartilho o sentimento que a palavra nostalgia escrita pela Marina, permeia o desenrolar da história. E de nossas histórias de vida, e de lutos vividos. A palavra nostalgia vem do grego nóstos (νόστος – “reencontro”) e ἄλγος (álgos – “dor, sofrimento”) isso define o exemplo de dor psíquica diversa da dor física, Procurar entender esse algo perdido na tentativa de reviver, me lembra o texto de Jung ao deparar com uma abertura em sua frente com escada escura e o medo de descer.

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