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O dia em que ele foi encontrar a Lua

Coluna

Tecendo histórias sobre o Luto

Foto de Eberlein

Por Marina C Smith

O dia em que ele foi encontrar a Lua

O tripé havia sumido. Vasculhou seus apetrechos fotográficos que teimavam em se espalhar pelo apartamento que dividia com a família- tentava lembrar-se onde o deixara da última vez, desejando, com todas as suas forças, um canto só seu para guardar aqueles pedaços da sua alma.

Encontrou-o escondido junto às bagunças da vida cotidiana, naquele quartinho que virara depósito de tudo que não encontra um lugar. Importante a existência dos depósitos das coisas sem lugar.

O tripé agora tinha um lugar, um lugar importante na experiência de eternizar a Lua. A Lua vinha se mostrando, a cada semana, um espetáculo astronômico-estético de encher os olhos. Naquele dia, ela se mostraria em sua plena forma, cheia, repleta, redonda, perfeita. Não que as outras fases tenham sido menos belas. Pelo contrário, nelas a Lua, sedutora amante, brincava de se esconder e se revelar. Mas faltava a Lua cheia naquela sequência de fotos.

Houve um tempo em que a relação entre os dois permitia certa intimidade. De pequeno, percorria o céu imaginando que seria um corajoso astronauta em missão ao satélite, atravessaria a imensidão do espaço com seu foguete, poderia olhar do alto das estrelas o azul redondo de sua casa, e do outro lado estaria ela, a misteriosa e imponente dama da noite. Era um sonho romântico, como eram românticos seus olhos de outrora. O encanto da luz branca da Lua era um convite para mergulhar em um tempo outro, um tempo de possibilidades e não determinações, um tempo de abertura e não de pressa, podia ser lento, como era lento o caminho da Lua pelo céu. Contemplava.

O tempo da vida foi se acelerando, havia coisas a fazer, projetos a realizar, as escolhas foram atropeladas pela pressa de se decidir em nome de um ritmo que não era seu, mas acatou, era assim que a vida rodava, girando alucinada.

A Lua não mais acompanhava esse passo rápido das pernas que cresceram e andavam frenéticas no compasso de uma vida de tarefas adultas. Recolheu-se à sua órbita de satélite natural, organizando as marés e os cortes de cabelo. Cheia, meia, minguante, crescente, nova, ausente. O ciclo era conhecido e vez ou outra era surpreendida por um olhar nostálgico daquele rapaz que um dia prometera visitá-la com seu foguete. Por que não vinha?

De repente o tempo parou, uma pandemia se espalhou pelo planeta azul, a pressa de viver transformou-se na espera para sobreviver. O compasso da vida mudou e os olhos cansados de resolver tarefas, abriram-se novamente para contemplar o céu. Ele não poderia ir visitá-la com seu foguete de menino, mas agora havia encontrado uma outra máquina para esse reencontro. Ela fora garimpada com esmero nas páginas virtuais daqueles que se desfazem de tesouros, a lente certa aproximaria os dois novamente. O tripé sustentava o desejo da foto que completaria sua coleção e guardaria para sempre a sua musa. A paciência era o ingrediente fundamental para capturar o sonho novamente e recuperar os olhos da meninice. Mas a Lua tinha seus caprichos.

Da varanda, ele procurou. Procurou em cada canto do céu que os prédios deixavam entrever. A luz denunciava sua presença, encoberta por um dos prédios da metrópole. Esperar, afinal a lua caminha pelo céu. Mas havia o desejo de encontrá-la que apressava seu coração. Resolveu se arriscar na área externa do prédio com o equipamento fotográfico e sanitário, afinal, o vírus ainda estava à espreita, e nesse jogo de se esconder, era melhor ludibriar o invasor minúsculo para poder encontrar a brilhante diva dos céus.

Ele procurou, sabia onde ela estava, mas havia algo a lhe velar o brilho. Uma camada de nuvem insistia em encobrir sua busca. Voltou à varanda disfarçando sua decepção. Esperaria mais um pouco. Nos dias anteriores, fora ela quem o convidara a brincar, surgia no céu, entre os prédios, pedindo seu olhar e recebendo com prazer a atenção de seus registros. Mas nessa noite havia algo diferente. Assustara-se com o seu intenso desejo? Ou era apenas o seu atrevimento de musa que sabe das artimanhas de ser misteriosa? A cumplicidade da nuvem borrara seu deleite, não haveria Lua Cheia naquela noite, não para ele. O tripé foi deixado na varanda para uma futura expedição, entendera o recado, como ela esperou, ele também esperaria.

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