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O tempo da delicadeza

Coluna

Tecendo histórias sobre o Luto

Foto de @eber.lein_fotos

Por Marina C Smith

O tempo da delicadeza

Geralmente, quando eu me emociono em algum evento artístico, meus olhos se enchem d’água e algumas discretas lágrimas escorrem, mas costumo manter uma certa elegância, enxugando-as com a ponta de um lenço estratégico que trago em minha bolsa. Mas nada foi desse jeito quando Chico Buarque entrou no palco. Eu sei, é quase um lugar-comum anunciar o amor platônico pelo Chico, mas sou uma mulher comum, tenho que confessar.

Na verdade, foi como um assalto de emoção à voz cantada. Incontrolável, estou até hoje tentando entender como se despejou tanto choro de forma tão disruptiva. Aos soluços, fui tentando abarcar esse rio caudaloso, ‘que recolhe todo o sentimento e bota no corpo uma outra vez’.

Chico Buarque era o “Chico” em minha infância, só Chico mesmo. Aquela intimidade de quem se admira porque essa pessoa não é mais um cantor ou compositor, ela é parte da família, parte da história, parte das nossas células. ‘Agora eu era herói’, com os acordes de João e Maria, embalavam meus sonhos e, ao mesmo tempo, apontavam para um futuro em que seria fatal ‘se o faz-de-conta terminasse assim’, numa noite sem fim, ‘prá lá de nosso quintal’. Minha mãe tinha todos os seus discos e cantarolava suas músicas enquanto nos maternava, Chico sempre fora porto-seguro, ‘dorme minha pequena, não vale a pena despertar’.

Fui começando a entender um pouco melhor porque o choro viera tão forte, o ‘Velho Francisco’ chegava dizendo que hoje era ‘dia de visita, vinha aí seu grande amor’, o nosso grande amor. Foi o encontro com o amor no ‘tempo da delicadeza’, esse tempo dos poetas, ‘que refaz o que (se) desfez’. A noite que não tinha mais fim, tinha enfim, acabado, ou pelo menos pausado seu tormento. Podíamos estar juntos em um outro acorde da vida, que não era mais de uma ‘Roda Viva’, a nos carregar o destino embora, que o ‘tempo podia rodar nas voltas no meu coração’ e recuperar um sentimento de acalanto. ‘Sim, me dê a mão, que a gente agora já não tinha medo. No tempo da maldade acho que a gente nem tinha nascido’. A maldade parecia não existir de novo.

‘Se lembra quando toda modinha falava de amor? Se lembra do futuro que a gente combinou? Eu era tão criança e ainda sou’. Foi um reencontro com o Chico, agora mais velho, que trazia sua poesia e seu vigor para o palco despertando cada lembrança afetiva escondida e lançando uma lufada de esperança de que o belo resiste, lembrando que ‘todos juntos somos fortes, somos flecha e somos arco’, e que estamos no mesmo barco. O amor é costura para as roturas da vida.

Uma amiga disse certa vez, que Chico é atemporal, ‘não se afobe, não, que nada é pra já, amores serão sempre amáveis’, o amor que o Chico canta seguirá nos ‘Futuros Amantes’ do amor que um dia ele deixou pra todos nós. Mas Chico também nos ‘ensina a não andar com os pés no chão, porque para sempre, é sempre por um triz’.

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