Skip to main content

As perdas simbólicas e concretas das pessoas LGBTQIA+: um luto não autorizado

As perdas simbólicas e concretas das pessoas LGBTQIA+: um luto não autorizado

PROALU - Programa de Acolhimento ao Luto

Por Sandra Evangelista

Você sabe a diferença entre identidade de gênero e orientação sexual? – A identidade de gênero é como a pessoa se apresenta, como ela se reconhece; já a orientação sexual é como ela se sente em relação à sexualidade e os afetos, e nesse caso, como bissexuais, homossexuais, heterossexuais e outras formas de orientação.

As pessoas que não se identificam com a orientação heterossexual, são consideradas fora de um padrão social, e são estigmatizadas por isso, sofrendo discriminações. Esse padrão está tão enraizado na memória coletiva, que mesmo as crianças que desejam realizar atividades que estejam relacionadas ao gênero masculino ou feminino, sofrem preconceito, como exemplo, uma garotinha que deseja jogar futebol. Além disso, os rituais de nascimento dos bebês ainda são em cores azul e rosa predominantemente.

Ao longo da história ocorreram diversas modificações em relação ao tema da orientação sexual. Você sabia que em 1952 uma pessoa com orientação homossexual era considerada uma pessoa doente? E que somente em 1990 a

Organização Mundial da Saúde – OMS reconheceu que a homossexualidade não é doença ou desvio de caráter. Portanto, se não há doença, não há um tratamento ou cura.

Com o avanço da ciência e as discussões propostas na sociedade, a sexualidade passou por revisões, e direitos passaram a ser garantidos por lei, como o direito ao casamento homoafetivo, mudança de nome, cirurgia para redesignação de gênero, adoção de crianças por casais homoafetivos e outras.

Porém, as leis ainda não foram suficientes para combater ou extinguir o preconceito, colocando as pessoas e suas famílias em situação de vulnerabilidade.

Como se sabe, o Brasil é um dos países que mais mata pessoas LGBTQIA+, sendo a homofobia uma atitude cruel, que qualifica essas pessoas como anormais. Possivelmente, os números da população LGBTQIA+ são subnotificados, porque as pessoas sentem medo de se assumirem; se sentem muitas vezes perseguidas pela sociedade. Compõem a sigla LGBTQIA+ as Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Transgêneros, Travestis, Queers, Intersexuais e Assexuais. O símbolo (+) contempla todas as possibilidades que possam existir. Lembrando que a sigla tem a intenção de ampliação e de contemplação da diversidade sexual, com ênfase na singularidade de cada pessoa.

Ao segregar as pessoas LGBTQIA+, a sociedade retira delas o senso de pertencimento, gerando diversas perdas. Há as perdas simbólicas como perdas de identidade, de papéis sociais, de planos e expectativas, e a perda concreta como a morte biológica, a morte do corpo físico.

Considerando o processo de luto, de que perdas estamos falando?

Para os pais, a perda da imagem do filho idealizado, que mesmo antes do seu nascimento, ele já tinha um nome, um sobrenome e identidade. Esse mundo construído pelos pais é completamente desfeito por uma identidade que contraria as normas sociais estabelecidas e um futuro previamente planejado.

Muitas vezes os pais tentam reverter essa condição, buscando uma reorganização nos papéis familiares. Diante das pressões sociais e até familiares, as pessoas LGBTQIA+ podem se afastar, para que seja possível vivenciar as suas identidades longe de casa.

As famílias se deparam com o luto pela perda do conceito de “normalidade”, de família padrão, em razão do preconceito. Ser pai e mãe de uma pessoa LGBTQIA+ significa muitas vezes sentir-se separado dos demais, excluído dos grupos, do círculo de amizade e até mesmo do convívio com os parentes.

Em muitos casos, as famílias desconhecem que o parente tinha uma relação homoafetiva ou mesmo não a aprovam, o que no caso do luto pode ser um elemento complicador, já que a rede de apoio é muito importante para a sua elaboração. Essa rede geralmente é formada pela própria comunidade LGBTQIA+. No caso de viuvez, quando a relação não é assumida publicamente, o enlutado se sente ainda mais sozinho. Com o luto não legitimado, o enlutado se depara com a falta de apoio social, a exclusão de serviços, a falta de rituais e até dificuldades com as leis.

Quando a união não é reconhecida, o enlutado pode ter dificuldades de acesso aos rituais devido à família não reconhecer o relacionamento. Há casos, em que durante o processo de adoecimento do companheiro ou companheira, a família limita o acesso ou até o impede. Você já imaginou não poder se despedir da pessoa que ama? Não ter um corpo para velar? – Parece ser um grande pesadelo, uma violência brutal.

Por outro lado, ao assumir a relação homoafetiva, pode se confrontar com perdas como distanciamento familiar, exclusão de eventos religiosos, dificuldades no trabalho, segurança pessoal, custódia dos filhos e outras.

Assumir essa identidade significa assumir fazer parte de uma minoria, o que gera angústia e sentimento de rejeição. É preciso reconhecer o vínculo em caso de viuvez homoafetiva, pois esse reconhecimento contribui com a elaboração do luto.

Para essas pessoas o que impera é o silêncio, o aprisionamento em si mesmos, pois ao se manifestarem, ao se assumirem, são invalidados em sua forma de existir. São lutos não reconhecidos por relações homoafetivas não autorizadas socialmente.

O luto é o reconhecimento da falta do que se perdeu. Se eu não reconheço a presença, não posso validar a ausência de algo que nunca existiu. É preciso entender as especificidades desse tipo de luto, e a multiplicidade de perdas ao longo da vida de uma pessoa LGBTQIA+, caso contrário, continuaremos violando os direitos dessas pessoas e lançando-as a um abismo de um luto solitário.

Referências Bibliográficas:

  1. ALMEIDA, Vinicius Schumaher de; SILVA, Viviane D’Andretta e. O luto em famílias de indivíduos que fogem aos padrões heretonormativos. In: Luto por perdas não legitimadas na atualidade. Org. Gabriela Casellato. São Paulo: Summus, 2020.
  2. ARIMA, Ana Carolina; FREITAS, Joanneliese de Lucas. O Luto Velado: A Experiência de Víuvas Lésbicas em uma Perspectiva Fenomenológico-Existencial. Disponível em ISSN 1413-389X Trends in Psychology / Temas em Psicologia – Dezembro 2017, Vol. 25, nº 4, 1467-1482 DOI: 10.9788/TP2017.4-01Pt. Acesso em 27 out. 2021.
  3. PARKES, Colin Murray. Luto: estudos sobre a perda na vida adulta. Tradução Maria Helena Franco. 3 ed. São Paulo: Summus, 1998.

Deixe seu Comentário