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Luto dos familiares e cuidadores de idosos com demência

By 27 de agosto de 2021setembro 21st, 2021ACOLHIMENTO

Luto dos familiares e cuidadores de idosos com demência

PROALU - Programa de Acolhimento ao Luto

Por Roberta Paz e Samantha Mucci

O aumento na expectativa de vida da população mundial é uma das grandes conquistas da sociedade moderna. O envelhecimento é um processo biológico, psicológico e social iniciado no momento que o indivíduo nasce. Estudos apontam que em 2050 a população com mais de 60 anos poderá duplicar, e triplicar em 21001. A população de 80 anos ou mais é a que mais cresce e poderá passar dos atuais 11% para 19% em 20507. Consequentemente, percebe-se o crescente envelhecimento populacional e a presença de patologias resultantes desse processo, podendo surgir o declínio natural das funções orgânicas e o aparecimento de doenças crônico-degenerativas, incapacitantes e involutivas, como no caso das demências1,9.

A demência é uma doença crônica geriátrica, causada por comprometimento da memória, afetando a orientação de tempo e espaço, a linguagem, a função social, o julgamento do certo e do errado, causando mudanças no comportamento. Os sintomas citados ocorrem devido a degeneração progressiva das células nervosas1. A demência exige um cuidado contínuo, desde do início do diagnóstico, trata-se de uma doença incurável, ativa, com uma evolução rápida, degenerativa e irreversível, progressiva até a morte3, sendo classificada como um dos temas importantes de política de saúde pública com alta prioridade no mundo2.

Devido ao idoso perder sua independência que seria sua capacidade de realizar suas atividades cotidianas como: se vestir, alimentar-se e tomar banho, resultando na perda da sua autonomia. O idoso fica incapaz de decidir por si, tomar decisões, como o certo e o errado. Desta forma, os familiares passam a assumir suas tarefas e o cuidado contínuo desse idoso4. Existem dois tipos de cuidadores: o cuidador primário que pode ser um familiar (esposa, filho) ou uma pessoa próxima (parente, amigo, cuidador contratado), esse cuidador terá a responsabilidade pelo cuidado e pelas principais tarefas. Já o cuidador secundário, por vezes realiza as mesmas tarefas que o cuidador primário, porém sem ter o mesmo nível de responsabilidade e decisão frente a rotina e o cuidado1. Essa situação de sobrecarga pode ser agravada pela vulnerabilidade social e financeira da família.

A vida dos familiares passa por um processo rápido e abrupto de mudanças, uma roda gigante de sentimentos e emoções são instalados no início da doença. Esses sentimentos são muito individuais e cada membro da família sentirá de forma particular: choque, tristeza, desamparo, angústia, irritabilidade, perda, impotência, amor, raiva, culpa, desespero, frustração, negação, aceitação, alívio, dentre outros4. Existem momentos que são muito difíceis de lidar, tanto para o doente quanto para os familiares, e que poderá ser potencializado no cuidador primário.

Essa dinâmica de sentimentos e emoções vivenciadas pelos familiares, cuidadores e pelo doente é denominado luto, uma resposta normal e singular a um processo de perda ou rompimento de um vínculo significativo5. Podemos observar que é possível sentir todos os sentimentos e emoções citados acima ao mesmo tempo, o familiar/cuidador/idoso pode conseguir lidar um dia com eles e no outro não, ocorrendo o processo dual do luto, onde oscilarão em alguns momentos para perda (negação da doença, evitação da aceitação da realidade, irritabilidade, raiva, angústia, dentre outros) e em outros para a restauração (reorganização das tarefas, autocuidado, momentos de prazer, assumir funções, dentre outros)5. Algumas vezes, a sobrecarga diante do cuidado do idoso com demência pode ir além dos limites suportáveis do familiar/cuidador, gerando conflitos e desorganização familiar.

O processo do luto, apesar de esperado e natural, pode estar associado a um período de sofrimento intenso para a maioria das pessoas, com risco aumentado de desenvolver danos à saúde física e mental dos familiares, cuidadores e no idoso com demência, ocasionando o processo de luto antecipatório e o processo de luto não reconhecido.

O luto antecipatório ocorre a partir do momento em que o idoso e seus familiares recebem um diagnóstico médico que resultará em mudanças em suas vidas, em atividades habituais, projetos, identidade, percepção e controle, dentre outras6. Já o luto não reconhecido é o processo onde os sentimentos e emoções não são expressados ou vivenciados abertamente pelo idoso e seus familiares, por vergonha, medo de demonstrar os sentimentos ou pela sua ambiguidade.

A demência potencializa todos esses processos, por ser uma doença ativa e de evolução rápida causando o esquecimento súbito de si, antes dos familiares darem conta que estão envolvidos nesse processo de luto e adoecimento, ficando coisas não ditas, não elaboradas e não vividas. Desta forma a família/cuidador pode vir a se tornar um paciente invisível, caso não seja validada e compreendida em seus sofrimentos e necessidades. O cuidado ao familiar/cuidador deve ocorrer desde o início do diagnóstico do paciente, possibilitando a continência ao impacto emocional do adoecimento e atenção ao luto antecipatório e ao luto não reconhecido.

Referências:
1. SANTOS, Juliett et al. Conhecimentos e sobrecarga do familiar cuidador frente ao paciente com demência. Rev. Bras. Gerontol. 2020; 23 (3) : e 200231.
2. ARAUJO, Patrícia Dino. Políticas Públicas no Brasil: necessidade de Políticas Públicas para tratamento de idoso com Alzheimer. Rev. Sem Fronteiras Interdisciplinares do Direito, nº 1, V. 2, 2020.
3. BYEON, Haewon. Effects of Grief Focused Intervention on the Mental Health of Dementia Caregivers: Systematic Review and Meta – Anlysis. Iran J. Public Health. Vol. 49, nº 12, Dec 2020. pp. 2275-2286.
4. BANDIN, K., PEPIN, R. Dementia Grief: A Theoretical Model of a Unique Grief Experience. Dementia (London). 2017 Jnanuary; 16(1): 67-78. Doi:10.1177/1471301215581081.
5. FRANCO, Maria Helena Pereira. O luto no século 21: uma compreensão abrangente do fenômeno. São Paulo:Summus,2021.
6. CASELLATO, Gabriela. Dor silenciada ou dor não silenciada? Perdas e lutos não reconhecidos por enlutados e sociedades. Niterói: PoloBooks, 2015.
7. CASTELO, G., MAZORRA, L. & TINOCO, V. Os desafios enfrentados por idosos na pandemia – algumas reflexões. Revista Kairós-Gerontologia, v. 23, p. 379-390,2020.
8. TAVARES, R. E. et. al. Envelhecimento saudável na perspectiva de idosos: uma revisão integrativa. Ver. Bras. Geriatr. Gerontol., Rio de Janeiro, 2017; 20(6): 889-900

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