Skip to main content

O luto antecipatório

O luto antecipatório

PROALU - Programa de Acolhimento ao Luto

Por Cintia Regina de Onofre Borges e Renata Barizon

A morte certamente é um dos maiores enigmas da história da humanidade. Uma experiência universal vivida de maneira diferente entre as diversas culturas. Durante nossa história, aprendemos a lidar com duas concepções de morte, a do outro, que nos leva a uma relação à angústia do abandono e a ideia da própria morte, a qual vem acompanhada de uma consciência de finitude, que é constantemente negada como um mecanismo de defesa, devido ao grau de sofrimento gerado. Nesse sentido, algumas doenças apresentam estágios nas quais levam as pessoas a aproximarem-se da morte, por apresentarem quadros clínicos graves com grandes probabilidades de óbito. Dentre elas, o câncer por exemplo, que pode ocasionar um turbilhão de emoções.

Para tanto, o luto antecipatório entra como um mecanismo de preparação necessário para o enfrentamento de ameaças e desafios. Essa antecipação consiste em falar sobre a experiência antes que ela ocorra, nomeando sentimentos e possibilitando um espaço de acolhimento. A importância de fornecer a oportunidade de fala é inquestionável, pois nesse momento surge com maior intensidade a necessidade de falar sobre a transitoriedade da vida, mesmo com toda a dificuldade em falar sobre a morte e o morrer.

Podemos definir o luto antecipatório como um processo pelo qual seus sobreviventes vão assumindo os papéis do enlutado e começam ou não a elaborar as mudanças emocionais associadas à morte esperada do ente. A função desse processo é graduar o nível de sofrimento e dosá-lo, evitando assim a surpresa. Compartilhar a experiência da dor sobre perdas antecipadas, contribuem para abertura da intimidade, possibilitando tornar o luto menos doloroso, mesmo muitas vezes, tendo um meio que não estimule o falar sobre o fato. Então, acredita-se que no momento que seja proporcionado espaço de fala ao paciente, ele poderá trazer as angústias e medos que se fazem presentes diante de sua finitude.

Américo (2009) pontua que, o reconhecimento do processo de morte do paciente é uma das tarefas mais difíceis a serem realizadas, isso implica em perceber que em determinado momento da evolução do paciente, as disfunções serão irreversíveis, desta forma todo o tratamento que visa prolongar a vida, causará o prolongamento do sofrimento do paciente.
É comum equipes médicas ao observarem os pacientes desanimados e se entregando à doença, indicarem intervenção psicológica e farmacológica para voltar a ter esperanças e pensamentos positivos quanto à possibilidade de recuperação. Porém, essas situações fazem parte da reflexão e autoconhecimento. Para Simonetti (2011), no processo de adoecimento, a depressão, em seu sentido de luto, é uma etapa necessária ao enfrentamento da doença. O silêncio que se instala e a impossibilidade de colocar em palavras as vivências dos últimos momentos podem ser substituídos pela presença empática e acolhedora dos profissionais que zelam pela dignidade do paciente até seu minuto final.

A família inicialmente pode se sentir insegura no próprio contato com o doente, pois acaba perdendo sua referência de relação estabelecida no decorrer da vida, dando lugar para o isolamento e introspecção necessários nessa fase. Perceber esse processo pode ser potencialmente ansiogênico para a família, sendo muitas vezes necessário, o cuidado amplo de todos os envolvidos, não somente do doente.
O luto antecipatório é um processo complexo, principalmente em estágio terminal da doença, acontecendo vários processos de adaptação, superação e reorganização perante a morte iminente da pessoa querida, acontecendo uma sobreposição de papéis de ao mesmo cuidar do doente e assumir funções antes realizadas pelo enfermo.

Enfim, o espaço de fala e acolhimento em um momento tão delicado para todos os seres humanos, pode trazer inúmeros benefícios e ressignificações para todos os afetados com a dor da despedida.

 

A depressão no processo de terminalidade…
Veja mais em – Portal PEBMED: https://pebmed.com.br/a-depressao-no-processo-de-terminalidade/

BARBOSA, António. Fazer o luto. Lisboa: Núcleo Académico de Estudos e Intervenção Sobre Luto Centro de Bioética, 2016.

CARDOSO, Érika Arantes de Oliveira et al . Luto antecipatório/preparatório em pacientes com câncer: análise da produção científica. Rev. SPAGESP, Ribeirão Preto , v. 19, n. 2, p. 110-122, 2018 . Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677-29702018000200009&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 28 fev. 2022.
FERREIRA, Vanessa dos Santos; RAMINELLI, Orilete. O olhar do paciente oncologico em relação a sua terminalidade:: ponto de vista psicologico. Rev. SBPH, Rio de Janeiro , v. 15, n. 1, p. 101-113, jun. 2012 . Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-08582012000100007&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 28 fev. 2022.

FRANCO, M. H. P. O luto no século 21: uma compreensão abrangente do fenômeno. 1ª edição. São Paulo: Summus Editorial, 2021.

SILVA, M.; CARDOSO, P. A importância da fala sobre a morte para pacientes oncológicos em fase terminal à luz da psicanálise. Revista Arquivos Científicos (IMMES), v. 3, n. 1, p. 24-34, 18 jun. 2020

Deixe seu Comentário