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Os lutos na escola – Por favor, deixe-os chorar.

Os lutos na escola – Por favor, deixe-os chorar.

PROALU - Programa de Acolhimento ao Luto

Por Renata Barizon dos Santos Alves e Sandra Evangelista

Falar sobre morte costuma ser uma tarefa delicada, principalmente com crianças e adolescentes. A morte em nossa cultura é um assunto ainda proibido, principalmente quando se trata da infância, no qual destaca-se os aspectos positivos da vida e desconsideram-se as perdas, mesmo sabendo que as perdas, separações e frustrações fazem parte do desenvolvimento infantil.

A criança captura a realidade e a compreende de acordo com as suas percepções do mundo. Portanto, falar sobre a morte com a criança não causa mais sofrimento, mas a compreensão da morte como parte da vida, a vivência e elaboração do processo de luto.

Ao longo do desenvolvimento a criança vivencia diversas perdas, em níveis emocionais e sociais, como, a perda de um brinquedo, de um animal de estimação, mudança de casa, saída de um professor da escola, separação dos pais, perda de emprego do provedor, a morte de um ente querido ou até a possibilidade de pensar a própria morte.

A idéia de morte construída pelas crianças é diferente dos adultos é expressa de maneira própria. A percepção que cada criança tem sobre a morte se relaciona a idade que a criança se encontra, ao seu desenvolvimento afetivo e cognitivo; desse modo para cada faixa etária espera se diferentes entendimentos sobre a morte.

A criança pode imaginar que os seus pensamentos e desejos podem ter causado a morte do ente querido, e sentir-se culpada. Quando pequenas, acreditam que a morte é reversível e que a pessoa que morreu possa voltar a qualquer momento, e pode ter uma representação da morte em figuras imaginárias como monstros.  De acordo com a faixa etária, a criança tem uma compreensão sobre a morte até que compreenda a morte como universal e irreversível, já na adolescência.

Na vivência do luto, a criança necessita da rede de apoio composta pela família e pela escola. Depois da família, a escola é o segundo espaço de socialização e tem a função de educar, ser mediadora da realidade da criança, tendo os educadores um importante papel na elaboração dos processos de desenvolvimento, inclusive do luto.

É muito importante não afastar a criança, pelo contrário, deixar que ela participe do processo de adoecimento e morte do amigo ou familiar. E como contar para a criança? – Abaixe-se e fique no mesmo nível da criança;  utilize uma linguagem simples; nomeie utilizando as palavras morte ou morreu; não utilize termos como descansou ou virou uma estrelinha, pois podem confundir a criança; a notícia deve ser dada por alguém que a criança confie, que se sinta segura; deixe que a criança expresse o seu sofrimento, deixe-a chorar e não diga “não fique triste”; explique como são realizados os rituais e pergunte se ela quer participar; caso a criança não queira participar dos rituais, um adulto deve ficar com ela; responda às perguntas feitas pela criança de forma simples e verdadeira.

O educador é uma referência para a criança, é uma figura de afeto e segurança, e a escola, um espaço para formação intelectual, emocional e social. Portanto, a visão de que nada se pode fazer para auxiliar a criança no processo de luto é uma visão equivocada. A escola pode proporcionar a discussão, falar abertamente sobre a temática da morte, acolher as crianças e adolescentes quanto aos medos, tristeza, dúvidas e outros. O educador pode proporcionar um luto menos solitário, através do compartilhamento das experiências, das discussões, ressignificação das perdas através das lembranças etc.

A morte ainda é um tabu, porém ela se impõe, está em todos os noticiários e habita o campo imaginário das crianças. É fundamental a discussão do tema nas escolas, entre os educadores, entre os educadores e as famílias, e entre as famílias e as crianças. A escola pode oferecer um suporte afetivo, sendo os educadores solicitados para além dos ensinamentos nas disciplinas, mas na oferta de escuta e cuidado. As atividades lúdicas são importantes ferramentas, como filmes, livros, contação de histórias, roda de conversa, cartas, desenhos, painéis com fotos e outras; elas podem ajudar na elaboração do luto infantil, respeitando as faixas etárias.

O tempo na escola é um tempo de “lutos”, desde o desligamento da criança da rotina familiar para a inserção no ambiente escolar, até os diversos desligamentos que vão ocorrendo ao longo do tempo, o que exige dos educadores uma compreensão sobre o processo de luto, seja pelas perdas durante o desenvolvimento infantil ou até pela morte de pessoas queridas, como vem acontecendo na pandemia, no qual estamos vivendo um luto coletivo.

Os educadores precisam acolher as crianças, conversar com os alunos, compreender que algumas crianças poderão ficar bem por alguns dias, e em outros ter crises de choro, ter comportamentos agressivos, não querer brincar ou interagir com os colegas, ter uma baixa no rendimento escolar e outros.

É preciso ouvir as crianças, o que elas têm para nos contar, como elas se sentem e como estão lidando com os lutos.  É preciso oferecer mais que o conteúdo, é preciso oferecer possibilidades de reflexão sobre o viver e o morrer. A escola não pode ser um espaço de silêncio diante da morte. Muitas vezes, a morte acontece na escola, com os alunos ou na comunidade, e nenhuma palavra é dita, se faz um silêncio ensurdecedor, carregado de fantasias.

Sabe-se que esta tarefa é difícil para os educadores e para as famílias, por isto é importante pensar em prevenção, em educação para a morte nas escolas, e para isto, podem contar com profissionais especializados na área, na orientação das equipes nas escolas, das famílias e da comunidade escolar.

O mundo não voltará a ser como antes, nunca mais.

Serão novos aprendizados para as crianças e adolescentes, um novo mundo.

Por favor, deixe-os chorar!

Referências:

  1. Giaretton, Daynah Waihrich Leal et al. A escola ante a morte e a infância: (des)construção dos muros do silêncio. Revista Brasileira de Educação [online]. 2020, v. 25 [Acessado 4 Dezembro 2021] , e250035. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S1413-24782020250035>. Epub 07 Set 2020. ISSN 1809-449X. https://doi.org/10.1590/S1413-24782020250035.
  2. MAZZORRA, Luciana; TINOCO, Valéria (Orgs.) Luto na Infância: Intervenções Psicológicas em Diferentes Contextos. São Paulo: Livro Pleno, 2005.
  3. SALGADO, Christiane Leal (org.) O processo de luto na infância em tempos de covid-19. Cartilha 106ª turma de medicina da Universidade Federal do Maranhão. Abr.2021.

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