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Perda Gestacional: um luto não reconhecido

Perda Gestacional: um luto não reconhecido

PROALU - Programa de Acolhimento ao Luto

Por Sandra Pereira Evangelista

Um dos momentos mais marcantes na vida de uma mulher é a gestação. É um momento de grandes transformações em seu mundo. Além das mudanças contínuas no corpo, há as mudanças nos campos emocionais e psíquicos desta mulher. Neste momento da vida ela começa a transformar a sua identidade, ela deixa de ser filha para se tornar mãe, com todos os medos, conflitos e incertezas que este novo papel lhe impõe.

Ela faz planos, ela imagina como será este bebê, como será a criança, como será o adolescente que ele irá se tornar; ela constrói imagens sobre as vivências com este filho ou filha que irá nascer, ela prepara o quarto, ela prepara a casa, ela escolhe as peças que irão compor o universo desta criança. Esta mulher vai nutrindo, alimentando o filho dentro de si, fazendo planos, nomeando-o, traçando rotas possíveis para a vida que irão compartilhar. Todo o campo psíquico desta mulher está tomado, ela está voltada para o seu maior projeto, a maternidade. Sendo a maternidade vista na sociedade como plenitude e realização da mulher, o que acontece quando esta mulher sofre a perda?

O mundo que ela estava construindo simplesmente desaparece. Há um rompimento brusco com todos os sonhos, projetos e idealizações que envolvem a maternidade. Esta mãe sente-se esvaziada, como se abrisse um grande buraco em sua alma. Ela sofre um grande abalo em sua autoestima e sente-se incompetente, como se tivesse fracassado no seu maior papel, em seu projeto de família, em seu projeto de vida.

Esta dor e sofrimento podem ser avassaladores, e esta mulher necessita de acolhimento e cuidado. Estes cuidados lhe são negados pela sociedade, tanto por pessoas estranhas quanto pelas pessoas próximas a ela, inclusive do seu círculo familiar. E por que as pessoas se comportam desta maneira? – Pela falta de compreensão sobre o que significa esta perda para a mulher, pela dificuldade em lidar com o sofrimento e com a morte; pela visão que a sociedade tem da mulher como fonte geradora de vida e outras.

A experiência da perda gestacional pode ser traumática para a mulher, porque além da dor, ela não encontra apoio social, as pessoas não querem falar sobre o assunto. Ainda na rede de atenção à saúde ela se depara com profissionais pouco treinados para lidar com as dores emocionais, e ainda tem a retomada ao trabalho em um prazo curto, de acordo com as leis trabalhistas. Então a mulher passa a viver um luto muito solitário, um luto não reconhecido.  A sociedade não a reconhece como mãe, porque é assim que ela se sente. Ela perdeu um filho e não um feto. As pessoas incentivam esta mulher a seguir em frente e muitas vezes utilizam discursos até mesmo cruéis, palavras que a ferem ainda mais. Como “Você pode ter outros filhos” ou “Foi melhor assim” ou “Deus quis assim”.

O luto não reconhecido socialmente impede a mulher de expressar a sua dor, de vivenciar o luto e ressignificar a sua perda. É um luto muitas vezes sem rituais de despedida e sem cerimonias religiosas. Para a elaboração do luto pela perda gestacional são fundamentais a escuta, a rede de apoio e a criação de rituais, eles auxiliam neste processo.

Uma mãe jamais vai superar a perda de um filho, mas ao viver o luto ela poderá integrar a perda e dar continuidade à vida, encontrar um novo sentido. Por isso é tão importante a escuta, o acolhimento e o cuidado com as mães enlutadas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

AGUIAR, Helena Carneiro e ZORNIG, Sílvia. Luto fetal: a interrupção de uma promessa. Estilos clin. [online]. 2016, vol.21, n.2, pp. 264-281. Disponível em http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415. Acesso em 15 fev. 2020.
CASELLATO, Gabriela (org.). Luto por perdas não legitimadas na atualidade. São Paulo: Summus, 2020.
CASELLATO, Gabriela (org.) O resgate da empatia: suporte psicológico ao luto não reconhecido. São Paulo: Summus, 2015.
FRANCO, Maria Helena Pereira. O luto no século 21: uma compreensão abrangente do fenômeno. 1 ed. São Paulo: Summus, 2021.
LIMA, S. & FORTIM, I. 2015, dezembro. Escrita como recurso terapêutico no luto materno de natimortos. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, 18(4), 771-788. Disponível em https://doi.org/10.1590/1415-4714.2015v18n4p771.12.  Acesso em 28 jan. 2021.
WORDEN, J. William. 1932. Aconselhamento do Luto e Terapia do Luto: um manual para profissionais da saúde mental. São Paulo: Roca, 2013.

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