Skip to main content

Psicoeducação para o luto como ferramenta auxiliar na Psicoterapia

Psicoeducação para o luto como ferramenta auxiliar na Psicoterapia

PROALU - Programa de Acolhimento ao Luto

Foto: SHVETS production

Por Irineu Villanoeva Junior

Muito se discute, atualmente, sobre a importância da psicoeducação em enfrentamentos de doenças e cenários de luto. A psicoeducação surgiu como um tratamento para a esquizofrenia, com a ideia de gerar o maior número possível de informações sobre a doença, tratamento, prognósticos e medicamentos, envolvendo, inclusive, os familiares e amigos próximos do paciente. A psicoeducação tem como premissa básica a informação. Informação feita de forma sistemática e bem estruturada para gerar ampliação do conhecimento do paciente e da sua saúde mental. Com isso, todos os envolvidos diretamente com ele aprendem mais sobre com o que estão lidando e o desenvolvimento do tratamento.

A morte ainda é um tabu para a nossa sociedade, pois não fazemos parte de uma cultura que consegue abrir o diálogo sobre temas ligados a perdas e luto. Na grande maioria das vezes, uma pessoa só entende o processo de luto vivenciando-o. Todos nós sabemos que vamos morrer um dia e aqueles que amamos também morrerão, mas não estamos preparados para esse momento.

Desde criança convivemos com uma noção de que falar de morte pode atrai-la, trata-se de um assunto indesejado para conversar à mesa de jantar. As crianças são poupadas deste assunto e até mesmo convivem com metáforas sobre a morte que permitem duas coisas: criar no seu imaginário aquilo que quiserem, pois não percebem nada de concreto; e perder a oportunidade de vivenciar uma perda de forma saudável e se tornarem adultos preparados para as perdas que terão no decorrer da vida. Se desde criança este assunto fosse levado a sério como é preciso, não teríamos tantos adultos vivendo lutos complicados.

Se fizermos uma retrospectiva histórica, a morte já foi considerada um acontecimento natural. Os doentes pressentiam as suas partidas e faziam os próprios rituais de despedida. No entanto, a morte era percebida como um fracasso em relação à vida que se findava, devido à impotência diante dela (ARIÈS, 2014).

As religiões dão as suas interpretações sobre o morrer e isso, na sociedade, leva as questões do luto a diversos caminhos e formas de enfrentamento. Falamos aqui, também, de valores culturais. Ainda convivemos, em algumas religiões, com a ideia de que a morte pode ser um tipo de punição de um ser supremo, como se a ciência ainda não explicasse e revelasse as causas das doenças e da morte (ARIÈS, 2014).

Durante muitos anos, o luto foi associado à doença mental por ter uma semelhança com os sintomas de uma depressão, por exemplo. Hoje, podemos diferenciar o luto de um episódio de depressão maior (EDM) e, conforme o DSM-5 (APA, 2014), o luto pode levar a um grande sofrimento, mas dificilmente provocará um EDM. Deve-se investigar um possível transtorno de adaptação e prognóstico de maiores chances de tentativas ou consumação de suicídio.

A morte é, sem dúvida, um evento estressor na vida de uma pessoa, gerando bastante sofrimento, alterações psicológicas, fisiológicas, comportamentais e sociais. As dificuldades advindas do luto podem incapacitar e desorganizar a vida dos enlutados, a ponto de não conseguirem lidar com tamanha tristeza (BASSO; WAINER, 2011).lui Saber diferenciar a tristeza característica de um luto normal daquela considerada patológica é fundamental para que os profissionais de psicologia atuem com intervenções adequadas e não causem mais sofrimento, negligenciando os sintomas do paciente (ZISOOK; SHEAR, 2009)

Psicoeducação para a morte/o luto

A psicoeducação tem uma importância fundamental no processo de luto de uma pessoa, porque ajuda a estar mais consciente da sua condição de enlutado e auxilia significativamente no seu enfrentamento do luto e no processo de elaboração. Nos casos de luto, aqueles que passam por orientação por meio da psicoeducação costumam apresentar melhor entendimento dos seus sentimentos. A psicoeducação ajuda a elaborar tarefas que o luto exige e proporciona uma evolução nas sessões de psicoterapia.

O terapeuta é um aliado importante na condução desse processo, elaborando exercícios e técnicas de monitoramento das atividades da sua rotina para que o enlutado se sinta seguro com os aprendizados, além de ajudar significativamente na prevenção de recaídas. Para o paciente, o processo terapêutico se torna mais transparente por meio da familiarização com os desafios do luto e do reforço à abertura do campo transferencial entre paciente e terapeuta. Quando o paciente entende a própria condição, por meio de orientações e informações, consegue identificar os primeiros sintomas de algum desconforto emocional e como manejar as crises.

Na psicoeducação também é importante que a maioria das pessoas que convivem com o enlutado sejam, de verdade, uma rede de apoio, compreendendo o que a pessoa está passando para ajudá-la nos momentos de crise.

Apesar de não ser muito divulgada, a psicoeducação é uma ferramenta potente de enfrentamento dos processos de luto e promove a saúde mental. Todos os esforços terapêuticos miram na reconstrução de um novo mundo sem o ente querido para que o enlutado possa:

• Expressar e nominar mais facilmente suas emoções e experiências em relação ao falecido;
• Conhecer os desafios que o luto proporciona;
• Valorizar sentimentos e a importância de ressignificar;
• Homenagear seu ente querido de forma consciente;
• Conhecer técnicas e ações de enfrentamento;
• Saber quando e onde buscar ajuda;
• Dialogar sobre as circunstâncias que levaram à morte;
• Superar problemas cotidianos e readaptar-se à vida cotidiana;
• Lembrar-se do falecido com ternura e sem tanto sofrimento;
• Construir um futuro sem a pessoa e conseguir continuar a vida.

O processo de enfrentamento do luto exige do enlutado uma adaptação à nova realidade da sua vida sem o ente querido. A experiência desse processo é bastante trabalhosa, pois afeta a pessoa de forma biopsicossocial, ou seja, existem aspectos que impactam a sua saúde (como sono e alimentação), episódios somáticos que afetam a qualidade de vida e a saúde. Outro aspecto é o psicológico que se desencadeia nesse processo, com alternância de sentimentos conhecidos e desconhecidos, onipotência e culpa (em alguns casos) e impacta também a vida social da pessoa, pois ela começa a não frequentar mais os encontros com os amigos, familiares e manter rotinas, como academia, festas e outros eventos que eram comuns na sua vida. Na maioria das vezes, o aprendizado do processo do luto acontece em curso a partir de uma perda significativa. No caso de perda traumática isso é ainda mais desafiador, pois se concretizou de forma inesperada, sem que a pessoa pudesse, minimamente, preparar-se para a perda.

Com vistas às novas técnicas de enfrentamento do luto, a psicoeducação usada em consultórios, ou até mesmo em serviços de aconselhamento do luto, tem se mostrado fundamental na psicoterapia, seja ela de qualquer linha de atuação. Na psicanálise, nas sessões iniciais, o trabalho de maternagem e individuação é necessário e, com certeza, consegue fazer com que o enlutado se sinta acolhido primeiramente e, por consequência, a partir do entendimento do seu processo como único, tenha uma proposta mais adequada de enfrentamento.

Na condução terapêutica desse processo, evidencia-se a necessidade de estratégias inovadoras de abordagem e intervenção, com o objetivo de proporcionar ao enlutado uma melhor adaptação ao seu novo mundo sem o ente querido. Importante ressaltar que é necessário um entendimento claro do contexto social dessa pessoa, além de aspectos culturais, familiares e educacionais para promover um programa preventivo/interventivo com base na psicoeducação.

Não há respostas simples ou únicas para a morte. Durante grande parte da vida, frequentamos instituições educacionais e nos preparamos para lidar com questões sociais e de trabalho, mas nada nos prepara para esse momento.

Por isso, é essencial ampliar o escopo da educação para a morte, fundamentada na importância da discussão sobre o tema em uma sociedade na qual convivem a morte interdita, a morte reumanizada e a morte escancarada (KOVÁCS, 2021).

 

Referências bibliográficas
ARIÈS, Philippe O Homem diante da morte. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1990.
APA. American Psychiatric Association. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-V. 5ª edição. Porto Alegre. Artmed, 2013.
BASSO, Lissia Ana ; WAINER, Ricardo. Luto e perdas repentinas: contribuições da Terapia Cognitivo-Comportamental. Revista brasileira de terapia cognitiva. v.7, n.1, p. 35-43, 2011
KOVÀCS, Maria Julia Educação para a Morte: Quebrando paradigmas. São Paulo: Editora Sinopsys, 2021.
ZISOOK, Sidney; SHEAR, Katherine. Grief and bereavement: What psychiatrists need to know. World Psychiatry. v. 8, p. 67-74, 2009.

Deixe seu Comentário