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Traumas e perdas na pandemia

Traumas e perdas na pandemia

PROALU - Programa de Acolhimento ao Luto

Por José Paulo Fiks

Luto e trauma se encontram na pandemia da Covid-19.

O trabalho de luto saudável se traduz pela incorporação progressiva dos afetos da morte de alguém estimado. É uma construção de significado após uma perda significativa, um momento de transformação do sujeito e de um cerimonial necessário.

Uma experiência traumática refere-se a qualquer vivência intensa em vigência da ameaça de morte que impossibilite o psiquismo de realizar uma integração ou elaboração simbólica sobre o acontecimento. É um estado que impede um indivíduo de funcionar, apontando para um estado psicológico permanente de uma perda.

Os lutos pós-traumáticos são em geral desencadeados por perdas com potencial de trauma em que o processo de luto é impossibilitado por dois motivos: a vivência de uma experiência traumática e, ao mesmo tempo, a perda de uma pessoa querida pelo mesmo evento traumático.

Neste período de pandemia causada pela Covid-19 temos passado por vários momentos em que experiências potencialmente traumáticas têm sido atreladas ao luto complicado. Sentimentos como culpa, vergonha e desamparo têm sido constantes, contribuindo negativamente para a atmosfera funesta.

No início da pandemia, período de desconhecimento total sobre a patologia, o medo do contágio e depois o temor de ter contaminado outros determinaram uma situação especial de estresse em que as perdas por mortes repentinas ou decorrentes de longo sofrimento em unidades de terapia intensiva predominavam. Doentes levados ao isolamento hospitalar por quadros graves muitas vezes causavam aos familiares uma impressão semelhante a um sequestro. Medo e perdas eram os sentimentos dominantes.

Depois vieram fases dos períodos longos de isolamento social, também uma fonte de estresse e indeterminação. Logo em seguida, a esperança das vacinas estendeu infinitamente o tempo psicológico subjetivo, uma espera que finalmente se transformou em realidade após um ano de início da pandemia, mas também trouxe grande angústia para aqueles que não conseguiam se vacinar.

É importante lembrar que o trauma psíquico pode ocorrer de forma abrupta, a partir de um evento único, mas também pode ser decorrente de um estresse prolongado que provoca nosso organismo em busca de um restabelecimento, a homeostasia.

Mas também pode provocar uma carga tóxica e disruptiva, a alostase. Nesta última condição o estresse cobra uma resposta que o organismo não consegue mais fornecer e muitas patologias podem surgir. Uma delas pode ser o quadro pós-traumático decorrente dessa mesma vivência prolongada e angustiante, sem indícios para seu fim.

A Covid-19 também trouxe outro elemento raro nas sociedades de todo o planeta: a impossibilidade do cumprimento os rituais habituais do luto. Em boa parte do primeiro ano da pandemia, velórios, cremações e enterros ocorriam em enorme número, rapidez e sem possibilidade do conforto afetivo dos entes queridos. Isso também incluiu outras causas de morte, pois todos os enfermos graves, bem como seus respectivos sepultamentos seguiram o padrão determinado pelos enterros em decorrência do novo coronavirus.

Isso trouxe mais elementos angustiantes para amigos e familiares que perderam pessoas próximas na pior fase da pandemia.

Eventos catastróficos naturais como a pandemia causada pela Covid-19 são potenciais geradores de traumas e lutos complicados, mas também podem proporcionar uma maior união entre as pessoas. Estas se apoiam na esperança da ciência, no altruísmo e nas boas lideranças públicas em torno do conhecimento científico e das melhores estratégias de superação.

Comunidades que se apresentam integradas para o triunfo contra a doença podem se prevenir contra piores situações de potencial traumático.

Historicamente sociedades negacionistas, que não seguem o conhecimento científico e com lideranças fracas trazem maiores chances para uma atmosfera comunitária de luto complicado.

Referências:

  1. Albuquerque, Sara, Ana Margarida Teixeira, and José Carlos Rocha. “COVID-19 and Disenfranchised Grief.” Frontiers in Psychiatry 12 (2021): 114.
  2. Corpuz, Jeff Clyde G. “Beyond death and afterlife: the complicated process of grief in the time of COVID-19.” Journal of Public Health 43.2 (2021): e281-e282.
  3. Diolaiuti, Francesca, et al. “Impact and consequences of COVID-19 pandemic on complicated grief and persistent complex bereavement disorder.” Psychiatry Research 300 (2021): 113916.

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